26 de dezembro de 2008

Deslocalização da agricultura ?

Países e privados compram solos no estrangeiro

A crença de que a terra é para aquele que a trabalha esbarra ac­tualmente com um novo fenó­meno. Países e empresas priva­das estão a comprar ou a arren­dar terras no estrangeiro para produzir alimentos. Esta usurpa­ção de território cava um fosso ainda maior entre ricos e pobres e está a tomar-se uma nova for­ma de colonização. ONG em to­do o mundo chamam-lhe a «land grab» do século XXI.

Os desequilíbrios do mercado alimentar e a subida dos preços da comida no início deste ano ex­plicam o fenómeno. Mas os espe­cialistas lançam o alerta de que estes acordos bilaterais - em al­guns casos entre governos ­põem em causa a sobrevivência das comunidades agrícolas, pa­ra quem a terra é o único meio de subsistência. A esmagadora maioria destas terras pertence ao Estado, mas são usadas por pequenos agricul­tores e guardadores de gado, que não detendo título de pro­priedade, ganharam o direito à terra pelo seu uso ancestral.

Os Sakalava - comunidade nóma­da de Madagáscar - e tantas ou­tras tribos remotas do planeta vi­vem do que a terra lhes dá. Es­magadas durante anos pela pres­são demográfica, correm agora o risco de perder o pouco que ainda lhes resta. A tribo de Madagáscar aguar­da com ansiedade a resposta do Governo à proposta da empresa sul-coreana Daewoo de arren­dar 1,3 milhões de hectares (me­tade da Bélgica) por um período de 99 anos, para cultivar milho e óleo de palma destinados à ex­portação.

Entre os maiores compradores de terra conhecidos desta­cam-se o Japão, a China, a Co­reia do Sul e os países do Golfo Pérsico. Segundo a FAO, o fo­co dos grandes investidores inci­de sobre o continente africano, onde muitos países enfrentam sérios riscos de insegurança ali­mentar. Da lista fazem parte Etiópia, Quénia, Somália ou Taji­quistão, países a braços com uma crise alimentar grave, que assistem impotentes à ocupação das suas terras por governos ou empresas estrangeiras.

Situa­ções como esta podem gerar con­flitos, não só internos - o que já acontece em muitos pontos do globo.

A segurança alimentar das po­pulações é apenas um dos vérti­ces do problema. O outro diz res­peito ao impacto ambiental da industrialização agrária, que po­derá ser trágico, ou mesmo irreversível. Nos ecossistemas de zo­nas ricas em biodiversidade, co­mo a floresta tropical de Mada­gáscar, a introdução de mono­culturas - em solos pouco fér­teis ou inadequados - pode ser desastrosa. Obrigará ao uso de fertilizantes em quantidades ma­ciças e "afectará o solo e as pes­soas que dele vivem", garante Michael Taylor.


REFUGIADOS AMBIENTAIS O futuro, ainda incerto, dos países ameaçados pela subida do nível do mar passará sempre por uma mudança de território. Na tentativa de sobreviver enquanto Estado, a RepÚblica das Maldivas foi a primeira a anunciar a intenção de com­prar uma parcela de terra, num lugar próximo (Índia ou Sri Lanka), para instalar os 300 mil ilhéus que correm o risco de se tornar refugia­dos ambientais. Anúncios semelhantes poderão seguir-se, O Gover­no neo-zelandês dispôs-se a "receber 10 mil refugiados por ano" pro­venientes das várias ilhas do Pacífico Sul, revelou ao Expresso Julien Vicent, da ONG Greenpeace. Arquipélagos como Tuvalu, Kiribati, Fiji e Ilhas Salomão têm vindo a sofrer uma acelerada erosão costeira. Os habitantes das Ilhas Carteret, na Papua Nova Guiné, estão a ser "deslocados para outras zonas do país devido à contaminação da água potável", provocada pela subida do mar.

Adaptado de "A terra a quem a compra"; Expresso. 20/12/2009

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